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8 de julho de 2014

A obra da minha vida

Jodoigne, 18 de Dezembro de 1976.

Ilustração de Nguyễn Minh Hải

Ponho-me a meditar e concluo que a obra da minha
vida abrange toda a espécie de trabalhos preparatórios,
entre os quais
reconverter-me a uma originalidade,
encaminhar-me para o mesmo lugar.


Maria Gabriela Llansol, in Finita, Assírio&Alvim, 2005, p. 138

6 de julho de 2014

Varandas






Ilustração de Elisabetta Trevisan

É na varanda que os poemas emergem
Quando se azula o rio e brilha
O verde-escuro do cipreste – quando
Sobre as águas se recorta a branca escultura
Quasi oriental quasi marinha
Da torre aérea e branca
E a manhã toda aberta
Se torna irisada e divina
E sobre a página do caderno o poema se alinha



Ilustração de Elisabetta Trevisan


Noutra varanda assim num Setembro de outrora
Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava
Amei a vida como coisa sagrada
E a juventude me foi eternidade


Sophia de Mello Breyner Andresen, "O Búzio de Cós", in Obra PoéticaCaminho, 2011, 2ª ed., p. 820


5 de julho de 2014

Deus é no dia

Ilustração de 孟楠楠

Deus é no dia uma palavra calma

Um sopro de amplidão e de lisura.



Sophia de Mello Breyner Andresen, "Mar Novo", in Obra PoéticaCaminho, 2011, 2ª ed., p. 361

4 de julho de 2014

A paz sem vencedores e sem vencidos



Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, por Maria Barroso, no dia da trasladação da poeta para o Panteão Nacional. Publicado por Pastoral da Cultura.


3 de julho de 2014

É o teu rosto ainda que eu procuro

Ilustração de Irene Jones

É o teu rosto ainda que eu procuro


Através do terror e da distância


Para a reconstrução de um mundo puro.

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Mar Novo", in Obra PoéticaCaminho, 2011, 2ª ed., p. 308


2 de julho de 2014

Harpa

Ilustração de Aimee Sicuro

A juventude impetuosa do mar invade o quarto
A musa poisa no espaço vazio à contraluz
As cordas transparentes da harpa

E no espaço vazio dedilha as cordas ressoantes


Sophia de Mello Breyner Andresen, O Búzio de Cós e outros poemas 

in Obra Poética, Caminho, 2011, 2ª ed., p. 823

Chamo-Te

Ilustração de Elisabetta Trevisan
Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos Teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu não quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a terra
Em Primavera feroz precipitado.



Sophia de Mello Breyner Andresen, Coral in Obra Poética, Caminho, 2011, 2ª ed., p. 201

1 de julho de 2014

O arco das espumas


Ilustração de RosArt

O mar rolou as suas ondas negras


Sobre as praias tocadas de infinito.



Sophia de Mello Breyner Andresen, "No Tempo Dividido", in Obra Poética, Caminho, 2011, 2ª ed., p. 282

30 de junho de 2014

...se leio?

Ilustração de 孟楠楠


Que mais quero ver, 

se leio?


Maria Gabriela Llansol, in Finita, Assírio&Alvim, 2005, p. 161

29 de junho de 2014

Ler infinitamente

A finalidade de ler não é guardar na memória. Eu esqueço-me do que leio mas encontro-me, ao cair da noite, com ele. (...)


Ilustração de Siegfried Linke


Ler estende-se pelo tempo e quer o espaço do dia a dia para projectar a sua sombra. Ler estende-se por vertentes desconhecidas, e eu leio pouco, mas infinitamente. 



Maria Gabriela Llansol, in Finita, Assírio&Alvim, 2005, p. 160

27 de junho de 2014

Desejo ler horas a fio

Jodoigne, 3 de Março de 1976.


Ilustração de Amber Alexander

Desejo ler horas a fio (o que também consta do ideograma), ler horas e horas sem me levantar. Rodeada de livros, basta estender a mão ou, mais simplesmente ainda, baixar os olhos. Leio algumas páginas e sinto que o que leio me atinge de maneira tão directa e íntima que está naquele momento sendo escrito, e me constrange a devolver-lhe uma resposta; o quarto fica cheio de leitura e da escrita que decorreu; pergunto então a mim mesma, vendo gnomos a transportar pauzinhos e folhas (...) se a escrita tem passado.

                                                      Maria Gabriela Llansol, in Finita, Assírio&Alvim, 2005, pp. 121-122


25 de junho de 2014

O livro como memória


Jodoigne, 20 de Abril de 1975.

Ilustração de Leonard Tsuguharu Foujita

O livro não é, para mim, o objecto rápido de uma leitura: dissimula um mútuo: uma época e alguém. «J'écris pour prendre la parole au nom de mes ancêtres qui se sont tus». __________ Liliane Wouters. 

Maria Gabriela Llansol, in Finita, Assírio&Alvim, 2005, p. 45

23 de junho de 2014

Cansaço da escola

Ilustração de Gooroovoo

Jodoigne, 23 de Abril de 1975.


Estou fatigada. O trabalho da escola cansa-me. Não suporto mais as permanentes intromissões dos pais, que nunca sabem o que querem juntos. Estou com as crianças e penso no livro. Sinto a ausência de um mestre para as minhas constantes interrogações.


Alguém terá de vir.
Cristina veio passar alguns dias connosco, e trouxe-me um livro de Kierkegaard: Les Miettes Philosophiques.


Maria Gabriela Llansol, in Finita, Assírio&Alvim, 2005, p. 51

22 de junho de 2014

Salvo pelas histórias

Ilustração de Arnold Lobel



O rato tinha corrido muito
para chegar são e salvo a sua casa.

Acendeu a luz,
jantou
e acabou de ler o seu livro.


Arnold Lobel, 
 in Sopa de Rato, ed. Kaladranka, 2013, col. Livros para sonhar, pp. 62-64

21 de junho de 2014

Histórias para a sopa de rato


                 Arnold Lobel in Sopa de Rato, ed. Kaladranka, 2013, col. Livros para sonhar

Sopa com histórias



Um rato estava sentado 
debaixo de uma árvore a ler um livro.

De repente,
uma doninha saltou-lhe em cima
e apanhou-o.

A doninha levou o rato
para casa dela.

- Ah, vou fazer
sopa de rato!
- disse a doninha. 







- Oh, vou tornar-me
sopa de rato!
- disse o rato. 

A doninha pôs o rato numa panela. 



- ESPERA!
- disse o rato. - Esta sopa
não vai saber a nada.
Não tem histórias.
A sopa de rato
tem que levar histórias 
para ficar boa.


Arnold Lobel (texto e ilustrações), in Sopa de Rato, ed. Kaladranka, 2013, col. Livros para sonhar, pp. 8-10

19 de junho de 2014

Sonho...




Sonho por vezes que, quando o dia do juízo chegar e os grandes conquistadores, advogados e estadistas vierem receber as suas recompensas – coroas, louros, nomes gravados indelevelmente em mármore imperecível -, o Todo-Poderoso se voltará para S. Pedro e dirá, não sem uma certa inveja, quando nos vir chegar com os nossos livros debaixo dos braços:

—Olhai, estes não precisam de recompensa. Nada temos para lhes dar. Eles amaram a leitura.



Virginia Woolf
Ilustrações de Julianna Swaney








17 de junho de 2014

Pensamento de galinha

Ilustração de Flor Opazo
Se ela pensasse, pensaria assim: é muito melhor morrer sendo útil e gostosa para uma gente que sempre me tratou bem, essa gente por exemplo não me matou nenhuma vez. (A galinha é tão burra que não sabe que só se morre uma vez, ela pensa que todos os dias a gente morre uma vez.)


Clarice Lispector, in A vida íntima de Laura, Relógio d'Água, 2012

16 de junho de 2014

Verdades sobre Laura

Ilustração de Flor Opazo



Acho que vou ter que contar uma verdade. A verdade é que Laura tem o pescoço mais feio que já vi no mundo. Mas você não se importa, não é? Porque o que vale mesmo é ser bonito por dentro. Você tem beleza por dentro? Aposto como tem. (...)

Outra verdade: Laura é bastante burra. Tem gente que acha ela burríssima, mas isto também é exagero: quem conhece bem Laura é que sabe que Laura tem seus pensamentozinhos e sentimentozinhos. Não muitos, mas que tem, tem.


Clarice Lispector, in A vida íntima de Laura, Relógio d'Água, 2012

Laura é uma galinha


Ilustração de Flor Opazo

Peço a você  o favor de gostar logo de Laura porque ela é a galinha mais simpática que já vi. Vive no quintal de Dona Luísa com as outras aves. É casada com um galo chamado Luís. Luís gosta muito de Laura, embora às vezes brigue com ela. Mas briguinha à toa.

Clarice Lispector, in A vida íntima de Laura, Relógio d'Água, 2012

15 de junho de 2014

Ulisses



O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo –

O corpo morto de Deus,
Ilustração de Danuta Wojciechwska


Vivo e desnudo.



Este que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.



Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundá-la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

Fernando Pessoa, in Mensagem

14 de junho de 2014

À chegada dos dias grandes



Da luva lentamente aliviada
a minha mão procura a primavera
Nas pétalas não poisa já geada
e o dia é já maior que ontem era

Não temo mesmo aquilo que temera
se antes viesse: chuva ou trovoada
é este o Deus que o meu peito venera
Sinto-me ser eu que não era nada


Ilustrações de Marion Arbona 

A primavera é o meu país
Saio à rua sento-me no chão
e abro os braços e deito raiz

E dá flores até a minha mão
Sei que foi isto que sem querer quis
e reconheço a minha condição.

Ruy Belo, in Todos os Poemas

13 de junho de 2014

Sermão de Santo António aos peixes

Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não; não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os tapuias se comem uns aos outros; muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes todo aquele concorrer[1] às praças e cruzar as ruas? Vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer, e como se hão-de comer.

Ilustração de Anton Gorcevich

(…) Já se os homens se comeram[2] somente depois de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas, para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os vossos homens se comem vivos, assim como vós. (…) Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos[3] ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho[4], come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado e já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado e já está comido.

Padre António Vieira, in Sermão de Santo António aos peixes





[1] acorrer
[2] comessem
[3] acções judiciais, processos no tribunal
[4]oficial de justiça

11 de junho de 2014

Dança II


De pés nus pisas o solo. Sentes a música dentro de ti e sem saber como gizas no ar movimentos e ritmos novos, em improviso próprio. Coreografias desenhadas no momento, em explosão urgente de desejos e de imagens retidas no tempo e no espaço. Elevas-te no ar e falas de cidades percorridas à descoberta, de pessoas cruzadas e esquecidas, do pio do pássaro à tardinha e da planta que regas todos os dias, em rotinas cheias. 

Ilustração de Nolla
Devagar, a música baixa e esquecendo-a ouves o teu próprio corpo, em sons ritmados, tensos e libertadores. Cada braço e cada perna em rotação espelham o que tu és e projectam-te para fora de ti em comunhão com o exterior, numa revelação de ti mesma. É deste modo que te conheces profundamente e te ultrapassas num todo cujo nome é muitas vezes indizível. 

Ilustração de Adolfo Serra

É isto a dança e é assim que nos podemos reinventar.

Marina Baltar

10 de junho de 2014

Nevoeiro

Ilustração de Stephanie Pui-Mun Law

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ância distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Fernando Pessoa, in Mensagem

Screvo meu livro à beira mágoa

Ilustração de Danuta Wojciechwska

Screvo meu livro à beira mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.

Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?

Ah, quando quererás voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

Fernando Pessoa, in Mensagem

8 de junho de 2014

Acordou a manhã

 Acordou a Manhã
P’ra dar
De beber aos pássaros…

O Sol pôs-se a pino
P´ra lhe doirar as asas…
A Noite veio
P’ra fechar
As pálpebras dos pássaros…
  
Ilustração de S. Eidrigevicius
De nada disto os pássaros souberam.
E todo o dia cantaram
Como se agradecessem…

                                                                           
Sebastião da Gama, in Estevas

6 de junho de 2014

Tretas tretas tretas

Tretas tretas tretas a mim é que não me levam mais era o que faltava ou um ou outro é um aldrabão disseram-me que o pai natal descia pela chaminé e eu acendi o fogão para lhe queimar o rabo para ele dar um grito para eu o ver e nicles quem ficou com o rabo a arder fui eu que levei bumba no toutiço por ter gasto gás é só para ver como as coisas são disseram-me que ele trazia presentes do céu e o que ele me trouxe foi uma camisola que eu vi numa montra duma loja em saldo com o preço e tudo isto quer dizer que o Céu fica na Rua dos Fanqueiros ou que me aldrabaram por eu ser criança é o que eu digo mentem à gente mal a gente nasce e depois queixam-se de que a gente em grande queira ir para a política 



Ilustração de Sophie Dufeu

(...) outra porcaria que me fez o pai natal foi dizer ao meu pai que este ano os presentes eram fracotes por causa da crise que há no Céu mas então se aquilo é igual à Terra para que é que lhe chamam Céu anda a gente a privar-se de coisas para ir para o Céu e chega lá e bumba aquilo é como a Graça ou como o Areeiro eu é que não vou nisso e se as coisas não mudam para o ano faço de conta que não sei da crise e mando uma reclamação para o deputado que me representa na assembleia e o pai natal vai ver como é que as moscas picam para aprender a ser profissional a valer que isto dum pai natal amador não interessa a ninguém e muito menos a esta vossa GUIDINHA que não está cá por ver andar os outros.


Luís de Sttau Monteiro, "Tretas tretas tretas" in Redacções da Guidinha, Areal Editores


5 de junho de 2014

Ano da Poupança Doméstica

Misheva
Ilustrações de
Milena

...deviam dar uma medalha ao meu Pai porque ele é um homem bestial que inventou a tal poupança antes do resto do mundo cá para mim deviam pôr o retrato dele nos livros de história ao lado dos retratos dos navegadores porque ele descobriu a poupança antes dos outros sim porque a verdade é que a gente lá em casa anda a navegar em poupança antes dos outros há tantos anos que nem conhecemos outra coisa eu cá por mim estou à espera para ver se compro um livro de matemática porque com o dinheiro que o meu Pai ganha nem para o ano mas para voltarmos outra vez ao que eu estava a dizer o que eu quero é que ponham debaixo dos cartazes (do Dia Mundial da Poupança) «Viva o Pai da Guidinha que inventou o Ano da Poupança Doméstica» ou qualquer outra coisa parecida para se fazer justiça

Luís de Sttau Monteiro, "Poupança a Poupança Enche a Gente o Papo de Ar" in Redacções da Guidinha, Areal Editores





2 de junho de 2014

Farta de batatas até aos olhos

Estou farta de batatas até aos olhos não posso ver batatas à minha frente porque tenho um azar danado enquanto toda a gente hoje tem o DIA mundial da poupança eu nasci numa casa em que andamos há cinco anos ou mais sim ou mais que eu tenho a impressão de que nunca vivemos senão assim mas o melhor é voltar ao que eu estava a contar enquanto toda a gente tem o dia mundial da poupança nós lá em casa andamos no ANO inteiro da poupança e o pior é que já vamos para o quarto ano da poupança e para quê? para chegarmos vivos ao fim do mês vivos mas cheios de batatas até aos olhos


Guidinha, de Rui Castro

Luís de Sttau Monteiro, "Poupança a Poupança Enche a Gente o Papo de AriRedacções da Guidinha, Areal Editores

1 de junho de 2014

Pergunta de criança


Ilustração de Alice

O senhor Henri disse: se a laranja viesse de uma árvore chamada macieira, à laranja teria de se chamar maçã ou era à macieira que se teria de chamar laranjeira?

Gonçalo M. Tavares, "A questão", in O Senhor Henri, Caminho, 2003, p. 11

31 de maio de 2014

O sótão da minha avó

Ilustração de Amy Casey

O sótão é uma coisa que há em cima das casas de província porque nas de Lisboa em cima das casas o que há é outras casas e em cima dessas há outras e é assim por aí acima até ao telhado mas nas de província há o sótão onde se arrumam as coisas que não prestam ou que ninguém quer deitar fora porque mesmo que não prestem custaram dinheiro e sem pilim é que ninguém vive (...)


Luís de Sttau Monteiro, "O sótão da minha avó" i

Redacções da Guidinha, Areal Editores

28 de maio de 2014

Uma manhã

Por vezes, Calvino obcecado pelos métodos:
- Interesso-me de muitas maneiras pela mesma coisa.

Outras vezes, obcecado pelas coisas:
- Interesso-me da mesma maneira por muitas coisas.

Algumas vezes, embaralhado:
- Interesso-me ao mesmo tempo de muitas maneiras por muitas coisas.

Ilustração de James Marshall

Hoje, ao acordar, preguiçoso:
- Não me interesso por nada, porém faço tal coisa de muitas maneiras diferentes.


Gonçalo M. Tavares, in O Senhor Calvino, Caminho, 2005, p. 39


27 de maio de 2014

Todas as esperanças

Ilustração de Yiying Lu

Não deram resultado todas as esperanças que tinha posto no dia de hoje.
Mas amanhã muito cedinho se Deus quiser todas as esperanças começam outra vez à procura da minha vez...

Almada Negreiros

26 de maio de 2014

Viagem longa

Ilustração de Yusuke Yonezu


Como gostava de ler e ia para uma viagem longa o senhor Juarroz decidiu pôr na mala seis exemplares do mesmo livro.



Gonçalo M. Tavares, in O Senhor Juarroz, Caminho, 2004, p. 23