M., com a sua idade de criança, passa pelas janelas, ouve os vizinhos e ouve as vidas todas iguais. Com os mesmos barulhos. Mas não se ouve o sofrimento, pois só se ouve o nosso. É uma coisa que nos pertence, só a nós, como o cartão de cidadão, como o umbigo, como as linhas das mãos e o modo como deformamos os sapatos a andar.
O sofrimento é um sapato deformado.
Afonso Cruz, "Quando as joaninhas de plástico deixam de falar", in Isto não é um conto - Histórias de violência baseadas na vida de seis mulheres