Ilustração de Katsuo |
E
todavia, agora que me descubro vivo,
agora que me penso, me sinto, me
projecto nesta noite de vento, de estrelas, agora que me sei desde uma distância infinita, me reconheço não limitado por nada mas presente a mim próprio
como se fosse o próprio mundo que sou eu, agora nada entendo da minha
contingência.
Como pensar que «eu poderia não existir»? Quando digo «eu», já
estou vivo... Como entender que esta iluminação que sou eu, esta evidência
axiomática que é a minha presença a mim próprio, esta fulguração sem princípio
que é eu estar sendo, como entender que pudesse «não existir»? Como pensar que
é nada?
A minha vida é eterna porque é só a presença dela a si própria, é a sua
evidente necessidade, é ser eu, EU, esta brutal iluminação de mim e do mundo,
puro acto de me ver em mim, este SER que
irradia desde o seu mais longínquo jacto de aparição, este SER-SER que me fascina e às vezes me angustia de terror... E todavia eu sei que «isto» nasceu para
o silêncio sem fim...
Vergílio Ferreira, in Aparição, Bertrand, 2000, 54ª ed., p.
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