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18 de agosto de 2012

Dança


Quero gritar ao vento que sufoco nesta inércia das cidades solitárias
onde o outro se enrola em si próprio e se esquece de si e do mundo


Quero subir às estrelas qual pássaro vadio explorando a liberdade
em rotas nunca sonhadas mas doces e ternas
como a descoberta de um segredo que nos (in)quieta e nos renova por dentro

 
 
Ilustração de Danguole Jokubaitiene

Quero ultrapassar-me a mim mesma dançando / voando
num lugar sem tempo e sem espaço onde me reconheço
 e me reencontro com o indizível
 ouvindo músicas ainda por compor e sentir

Quero tocar os outros como quem se redescobre e sabe
 como os poetas e os anjos que só assim será possível alcançar a plenitude

Marina Baltar, 2009

Receita para fazer o azul


Ilustração de Irena Shklover

Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice