O que é o privado nos nossos dias?
Uma das involuntárias consequências da revolução informática é ter volatilizado as fronteiras que o separavam do público e ter confundido ambos num happening em que todos somos ao mesmo tempo espectadores e atores, no qual nos mostramos reciprocamente exibindo a nossa vida privada e nos divertimos observando a alheia, num strip tease generalizado em que nada já ficou a salvo da mórbida curiosidade de um público depravado pela idiotice.
Ilustração de Daria Petrilli |
O desaparecimento do privado, o facto de ninguém respeitar a intimidade alheia, ela ter-se convertido numa paródia que excita o interesse geral e haver uma indústria informativa que alimenta sem tréguas e sem limites esse voyeurismo universal, é uma manifestação de barbárie. Pois com o desaparecimento do domínio do privado muitas das melhores criações e funções do humano deterioram-se e aviltam-se, começando por tudo aquilo que está subordinado ao cuidado de certas formas, como o erotismo, o amor, a amizade, o pudor, as maneiras, a criação artística, o sagrado e a moral.
Mario Vargas Llosa (2012), in A civilização do espetáculo, Quetzal, pp. 150-151