Ilustração de May Ann Licudine |
Os olhos perdidos num pedaço de parede, procura
um outro ponto em que os fixar: e volta-os
para dentro de si, onde outras pessoas arruinadas
a impedem de ver o que está do outro lado, para
além do campo e do céu. Mas se erguesse os olhos
para o tecto, de estuque aberto para as telhas, fios
de luz dar-lhe-iam um vislumbre do mundo a que
não pode aceder, e bastar-lhe-ia um pouco de
sonho para encontrar esse vazio a que aspira,
ou apenas o último ângulo entre infinito
e eternidade. Porém, o rosto não se desvia, e
as mãos pousadas no casaco esburacado pela
traça tremem, como se procurasse moldar um
corpo antigo com o barro seco da ausência.
Nuno Júdice, in Fórmulas de uma luz inexplicável