Mas a imagem do homem continuava sozinha: a cabeça levantada que olhava o céu com uma expressão de infinita solidão, de abandono e de pergunta.
E do fundo da memória, trazidas pela imagem, muito devagar, uma por uma, inconfundíveis, apareceram as palavras:
– Pai, Pai, por que me abandonaste?
Então compreendi por que é que o homem que eu deixara para trás não
era um estranho. A sua imagem era exactamente igual à outra imagem que
se formara no meu espírito quando eu li:
– Pai, Pai, por que me abandonaste?
Era aquela a posição da cabeça, era aquele o olhar, era aquele o sofrimento, era aquele o abandono, aquela a solidão.
Para além da dureza e das traições dos homens, para além da agonia da
carne, começa a prova do último suplício: o silêncio de Deus.
Ilustração de Gurbuz Dogan Eksioglu |
E os céus parecem desertos e vazios sobre as cidades escuras.
Sophia de Mello Breyner,"O Homem" in Contos Exemplares