de hoje enquanto amanhã não chega.
Eu abaixo-assinado declaro que
amanhã terei de declarar tudo o que tenho
de declarar.
Ontem teria declarado e subscrito
o que tinha de declarar.
E amanhã também iria declarar
todas as declarações do mundo se, quando
amanhã chegar, não descobrisse que amanhã
é hoje.
Por isso é que eu, abaixo-assinado,
declaro que não sei declarar hoje, que é o amanhã
de ontem, tudo o que tenho de declarar.
E eu, abaixo-assinado, declaro solenemente
por minha honra que só não declaro nada hoje porque
hoje é o amanhã de ontem,
e também não vou declarar nada amanhã porque
amanhã é o hoje em que irei deixar para depois
de amanhã o que tenho de declarar.
|
Ilustração de Rima Koussa |
E cumpra-se esta declaração que vou datar
de amanhã, sabendo que só a poderei escrever
depois de amanhã, quando ontem for o amanhã
em que a vou adiar para ontem.
Nuno Júdice, in A Matéria do Poema, D. Quixote, 2008, 1ª ed., pp. 49-50