Ilustração de Carlos Aponte |
A crise remete-nos para a figura da queda, ilustrada neste texto de Gonçalo M. Tavares:
Do alto de mais de trinta andares, alguém atira da janela abaixo os sapatos de
Calvino e a sua gravata. Calvino não tem tempo para pensar, está
atrasado, atira-se também da janela, como que em perseguição. Ainda no ar
alcança os sapatos. Primeiro, o direito: calça-o; depois, o esquerdo. No ar,
enquanto cai, tenta encontrar a melhor posição para apertar os atacadores. Com o
sapato esquerdo falha uma vez, mas volta a repetir, e consegue. Olha para baixo,
já se vê o chão. Antes, porém, a gravata; Calvino está de cabeça para baixo e
com um puxão brusco a sua mão direita apanha-a no ar e, depois, com os seus
dedos apressados, mas certeiros, dá as voltas necessários para o nó: a gravata
está posta. Os sapatos, olha de novo para eles: os atacadores bem apertados; dá
o último jeito no nó da gravata, bem a tempo, é o momento: chega ao chão,
impecável.
Gonçalo M. Tavares, 1º sonho de Calvino in O Senhor Calvino
Ilustração invertida |
Aparentemente, esta personagem só se preocupa com a sua aparência física. É uma primeira leitura. Outra interpretação possível é a de que mantém a calma e o equilíbrio quando está a cair.
O que fazemos quando caímos e o que é importante nesses momentos? De que serve ser inteligente quando se cai? Ou ser muito belo? Ou muito poderoso? - interrogações lançadas por Gonçalo M. Tavares na Sessão de Estudos "O mal e a alegria em tempos sombrios" (Metanoia).