Ilustração de Katsuo |
E, todavia como é difícil
explicar-me! Há no homem o dom perverso da banalização. Estamos condenados a
pensar com palavras, a sentir com palavras, se queremos pelo menos que os
outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras. Toda a manhã lutei não apenas com elas para me
exprimir, mas ainda comigo mesmo para apanhar a minha evidência. A luz viva nas frestas da janela, o
rumor da casa e da rua, a minha satisfação nas coisas imediatas
mineralizavam-me, embruteciam-me. Tinha o meu cérebro estável como uma pedra esquadrada,
estava esquecido de tudo e no entanto
sabia tudo. Para reparar a minha evidência necessitava de um estado de graça. Como os místicos em
certas horas, eu sentia-me em secura. Fechei os olhos raivosamente e quis ver.
Vergílio Ferreira, in Aparição, Bertrand, 2000, 54ª ed., p.
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