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8 de janeiro de 2013

Livros não mudam o mundo

Ilustração de Lindsey Olivares



Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. 

Os livros só mudam as pessoas.

Mario Quintana

7 de janeiro de 2013

Maiores que nós

Ilustração de Solenn Larnicol































































































Existem pequenos livros que são maiores que nós.
                  
 Inês Lourenço, jornalista

6 de janeiro de 2013

O presente dos Reis Magos

Ilustração de Niamh Sharkey
Ilustração de Paula Marco

Como todos sabem, os Reis Magos são os homens sábios – terrivelmente sábios – que levaram as dádivas ao Bebé na manjedoura. Foram eles que inventaram a arte de oferecer presentes de Natal. Sendo sábios, as suas dádivas eram sem dúvida sábias, possivelmente com o privilégio de poderem vir a ser trocadas em caso de repetição. E eu acabei aqui de vos relatar, de forma pouco convincente, a crónica monótona de um apartamento onde duas crianças tolas, numa atitude nada sábia, sacrificaram um pelo outro os maiores tesouros da sua casa. Porém, numa última palavra aos sábios dos tempos que correm, diga-se que entre todos os que dão prendas foram estes dois os mais sábios. De todos os que dão e recebem prendas, as pessoas como eles são as mais sábias. Em toda a parte as mais sábias. São eles os Reis Magos.


O. Henry, "O Presente dos Reis Magos", in As mais belas histórias de Natal", ed. 101 noites

5 de janeiro de 2013

Baltasar

Ilustração de Georges Underwood
O rei Baltasar amava a frescura dos jardins e sorria ao ver na água clara dos tanques o reflexo da sua cor de ébano. (...)

A estrela ergueu-se muito devagar sobre o Céu, a Oriente. O seu movimento era quase imperceptível. Parecia estar muito perto da terra. Deslizava em silêncio, sem que nem uma folha se agitasse. Vinha desde sempre. Mostrava a alegria, a alegria nua, sem falha, o vestido sem costura da alegria, a substância imortal da alegria.

E Baltasar reconheceu-a logo, porque ela não podia ser de outra maneira.


Sophia de Mello Breyner Andresen, "Os três reis do Oriente, in Contos Exemplares

Melchior

Ilustração de Ines Huni
 Nessa noite (...), Melchior subiu ao terraço e viu que havia no céu, a Oriente, uma nova estrela.
A cidade dormia, escura e silenciosa, enrolada em ruelas e confusas escadas. Na grande avenida dos templos já ninguém caminhava. (...)

E sobre o mundo do sono, sobre a sombra intrincada dos sonhos onde os homens se perdiam tacteando, como num labirinto espesso, húmido e movediço, a estrela acendia, jovem, trémula e deslumbrada, a sua alegria.

E Melchior deixou o seu palácio nessa noite.

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Os três reis do Oriente, in Contos Exemplares

Gaspar e a justiça

Ilustração de Rosario Elizalde

...Gaspar escutava o crescer do tempo. A solidão criava em seu redor um transparente espaço de limpidez onde os instantes avançavam um por um e o universo inteiro parecia atento. O silêncio era como a mesma palavra inumeravelmente repetida.

E debruçado sobre o tempo Gaspar pensava: "Que pode crescer dentro do tempo senão a justiça?"

Sophia de Mello Breyner Andresen, "Os três reis do Oriente", in Contos Exemplares

4 de janeiro de 2013

Noite de Reis

Ilustração de Valentí Gubianas

Era a noite de uma primeira sexta-feira de Janeiro, a noite dos Reis.

Edmond de Goncourt, "Rezo a Gaspar, Melchior e Baltazar" in 101 Noites de Natal

2 de janeiro de 2013

Silêncio e solidão

Suporta tudo, menos a solidão e o silêncio. Pode dormir muito pouco, esquecer-se da fome, enrolar uma manta nas pernas para não ter frio, ignorar que o sexo existe, aceitar não conhecer o calor feminino, mas não suporta o silêncio e a solidão.

Ilustração de Jean-Baptiste Monge


(...) Muitos dias nascem cinzentos, mas ao som do rádio e com o cheiro do café enfrenta-os. Não se desloca de carro, mas entre montões de gente nos autocarros. E aí vê tantos rostos infelizes, tantos telemóveis que não vibram emoção alguma.

Ilustração de RWD
(...) Uma solidão absoluta. Rasgou todos os poemas porque, ao reler alguns, descobriu serem todos sobre sentimentos já ausentes. Pais ausentes. Dores ausentes. Sonhos ausentes.

Paulo Bandeira Faria, in Um Natal assim, Quidnovi


1 de janeiro de 2013

A prima

O Inverno tem os seus prazeres; e por vezes, ao domingo, 
Quando um raio de sol doura a terra branca,
Saímos para passear com uma prima...
E não nos deixem à espera para jantar,

Diz a mãe. E depois de observarmos atentamente, nas Tulherias,
Sob as árvores negras os enfeites em flor,
A rapariga tem frio...e o nevoeiro começa
a levantar-se.

Doisneau, Les Tuileries en hiver

E regressamos, falando do belo dia que, lamentamos
Tão depressa ter passado...e com tão discreta chama:
E sentimos ao entrar, com grande apetite,
Do fundo das escadas, - o cheiro do peru assado.

Gérard de Nerval, in 101 Noites de Natal

Dia de Ano Novo

Ilustração de Trisha Romance
Está a nevar. Para que o Ano novo tenha sucesso é preciso que neve. 

Poil de Carote salta da cama, vai lavar-se, sem sabão, na tina do jardim. Está gelada. Tem de quebrar o gelo, e este primeiro exercício alastra por todo o seu corpo um calor mais são que o dos aquecedores. Mas finge molhar a cara e, como acham que está sempre sujo, mesmo depois de se lavar dos pés à cabeça, só limpa por alto.

Jules Renard, "Dia de Ano Novo", in 101 Noites de Natal

31 de dezembro de 2012

A menina dos fósforos

Estava tanto frio! A neve não parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre rapariguinha seguia pela rua fora, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para fugir de um trem. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.


Ilustrações de Serena Curmi
Por isso, a rapariguinha seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a toda a gente que passava, apregoando: — Quem compra fósforos bons e baratos? — Mas o dia tinha-lhe corrido mal.






Hans Christian Andersen, A menina dos fósforos (adapt.) 

30 de dezembro de 2012

Gramática do Menino Jesus

Ilustração de Pauline Siewert

  ...há uma gramática do Verbo feito carne de que a Escritura é a narrativa.


 Michel Crépu, in "Esse vício ainda impune"

A rosa é sem porquê





Ilustração de Bastin Marjolein


A rosa é sem porquê.

Silesius


29 de dezembro de 2012

A trote

Ilustração de Joysuke Wong
E assim, mesmo quando saía do seu recanto para se aquecer num dia húmido, Toby trotava. Desenhando no lodo com os sapatos furados uma linha irregular de pegadas lamacentas; soprando e esfregando as mãos enregeladas, escassamente defendidas do frio cortante com umas luvas puídas de lã cinzenta, das que somente têm um dedo para o polegar - Toby, com os joelhos arqueados e a bengala debaixo do braço, lá seguia trotando. Ao sair para a estrada, a fim de olhar a torre onde os Carrilhões badalavam, Toby continuava a trotar.

Charles Dickens, "Os Carrilhões", in Contos de Natal

Granizo em festa

Ilustração de Irene Owens

...os dias de vento, geada, neve e talvez uma violenta bátega de granizo eram dias de festa para Toby Veck.


Charles Dickens, "Os Carrilhões", in Contos de Natal

27 de dezembro de 2012

Contemplação dos sinos

...Toby atribuía aos Sinos um carácter estranho e solene. Eram tão misteriosos, ouviam-se com tanta frequência sem jamais se verem, achavam-se suspensos lá tão no alto, tão distantes, tão cheios de melancolia que ele os contemplava com uma espécie de temor respeitoso.
 
 
Ilustração de Aki
Em resumo, os sinos ressoavam-lhe constantemente nos ouvidos e ocupavam-lhe o pensamento, mas sempre os tivera na melhor consideração.
 

Charles Dickens, "Os Carrilhões", in Contos de Natal

26 de dezembro de 2012

Carrilhões

Ilustração de Redgella Deviantart
 
 
No cimo  da torre duma velha igreja, muito além das luzes e rumores da cidade, muito aquém das nuvens flutuantes que a cobrem de sombra, a noite é agreste e tenebrosa. Pois era no cimo da torre duma velha igreja que moravam os Carrilhões de que vou falar.
 
 
Charles Dickens, "Os Carrilhões", in Contos de Natal 

25 de dezembro de 2012

Chove. É Dia de Natal.

Ilustração de Vanessa Lubach
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar. 

 
Ilustração de Erwin Madrid

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés. 


Fernando Pessoa

Tudo brilha


Ilustração de Christine Thouzeau

Tudo brilha, luminoso, esplêndido, deslumbrante; e a pequena caixa de música escondida entre as ricas oferendas que oferecem as travessas de laca (numerosas, sobre a mesa) salpica com a sua chuva musical a atmosfera de alegria e de luz.


Ilustração de Catherine Zarip





Eu desapareço. Entrem crianças.


Tesouras, depressa, se quiserem façam tilintar os guizos pendurados nos ramos: e que a decoração se renove noite após noite, até ao Dia de Ano Novo, até ao Dia de Reis.


Mallarmé, in 101 Noites de Natal, uma antologia literária

24 de dezembro de 2012

O Pai Natal

Autor desconhecido
Ilustração de Arnaud Peron

A minha mãe cantava-me também uma canção desse género na véspera de Natal; mas como isso só acontecia uma vez por ano, não me recordo dela. O que não me esqueci foi a crença absoluta que eu tinha na descida pela chaminé do pequeno Pai Natal, bom velhinho de barba branca, que, à meia-noite, vinha pôr no meu sapatinho uma prenda que eu aí encontraria ao acordar. Meia-noite! Essa hora fantástica que as crianças conhecem, e que lhes é revelada como o termo impossível da sua vigília! Como me esforçava por não adormecer antes da chegada do velhinho! Tinha muita vontade mas também muito medo de o ver: contudo, nunca podia ficar acordada até àquela hora e, no dia seguinte, o meu primeiro olhar ia para o meu sapatinho, junto à lareira. Que emoção me causava o envelope de papel branco, pois o Pai Natal era muito delicado e embrulhava sempre a sua oferenda muito cuidadosamente. Corria descalça para apoderar-me do meu tesouro. Nunca era um dom magnífico, pois não éramos ricos. Era um bolinho, uma laranja, ou muito simplesmente uma maçã vermelha. Mas parecia-me tão precioso que mal ousava comê-lo.

George Sand, in 101 Noites de Natal, uma antologia literária

23 de dezembro de 2012

Feliz Natal

Poema do Natal

Ilustração de Gapchinska



...para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais, esperaremos... 
Hoje a noite é jovem: da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes, in O operário em construção

22 de dezembro de 2012

Ternura

Ilustração de Sarolta Szulyovszky

 Dizei-me: quando pelo Natal visitais um presépio, não vos enternece aquela pobreza, aquela humildade, aquele desamparo?


Pe. António Vieira, in Sermão III - Maria Rosa Mística

21 de dezembro de 2012

Natal e não dezembro



Ilustração de Eva Vásquez
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.
David Mourão-Ferreira, in Cancioneiro de Natal

20 de dezembro de 2012

Espuma da tarde

Ilustração de Rafal Olbinski

 
A janelinha tinha sido feita para abrir sobre um quintal, demasiado fundo para um salto, mas onde havia um limoeiro. O limoeiro abriu os braços e disse-me vem. Não ouvi mais nada, pois nessa altura já eu lá estava de costas num regaço de folhas, puas e limões. O que me acontecia parecia uma carícia e nem doeu nem sangrou.

 
Lídia Jorge, "Espuma da tarde", in Marido e outros contos



19 de dezembro de 2012

Mulheres

Akzhana Abdalieva



Sem se saber porquê, a percentagem de mulheres belas, até uma certa idade, é superior à dos homens. Há as esguias como bambus, há as doces como se paradas, e há as curvas como estradas de montanha. Cada uma com o seu encanto. É só preciso olhar, nem é preciso descobrir. E depois há as feias. 

                                                                 
Lídia Jorge, "António", in Marido e outros contos, Dom Quixote

Nudez especial

Ilustração de Annette Mangseth

 As mulheres sentem uma nudez especial  na cabeça ensaboada.

Lídia Jorge, "António", in Marido e outros contos, Dom Quixote

16 de dezembro de 2012

Cozinha, metáfora de mobilidade

O antropólogo [Claude Lévi-Strauss] ensina-nos que a cozinha é metáfora da própria existência humana, pois distingue o homem, precisamente esta capacidade de viver na transformação, numa mobilidade que não é só geográfica.

Ilustração de Solenn Larnicol 
Ora a metáfora da cozinha fala da transformação como um benefício.


Tolentino Mendonça, "Pensar Deus a partir do cru e do cozido",
in Nenhum caminho será longo, Para uma teologia da amizade

 

15 de dezembro de 2012

Misturas de criatividade

Ilustração de Solenn Larnicol

A cozinha é o lugar da instabilidade, da procura, da incerteza, das misturas inesperadas, das soluções imprevistas, das receitas adaptadas. A cozinha é o lugar da criatividade e da recomposição. 

Tolentino Mendonça, "Pensar Deus a partir do cru e do cozido",
in Nenhum caminho será longo, Para uma teologia da amizade

13 de dezembro de 2012

Tristeza à esquina de

Ilustração de Olga Ionaytis
Alguém à esquina da tristeza. Vá lá saber-se porque é que um tipo acorda com uma frase assim na cabeça. Talvez queira dizer qualquer coisa, se é que uma frase alguma vez quer dizer o que quer que seja. Quem sabe se não serei  eu quem assim está? Não sei onde fica tal esquina, talvez seja algo que existe só por dentro. Ou talvez, ao fim e ao cabo, a vida seja mais ou menos isso: uma tristeza, à esquina de. Uma frase sem sentido. Ou o sentido a fazer-se frase. Ou o prazer da melancolia, porque a verdade é que se acorda com uma frase assim e logo os violinos começam a tocar na memória...

Manuel Alegre, "City square" in O Quadrado, D. Quixote