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30 de dezembro de 2011

Do meio para trás

Ilustração de Afonso Cruz

Havia um espelho perto da saída e ele olhou-o distraidamente. Avançou mas depois voltou atrás. Ia apressado mas a imagem de si mesmo, por razões pouco claras, atraiu-o. Tratava-se de um velho mas um velho sempre ele fora, não era uma surpresa. Cabelo e barba brancos, a figura avolumada na barriga, as rugas, misto de bonomia e desidratação. O casaco vermelho com os seus debruns de pele clara parecia iluminar de uma luz própria o rosto sorridente. O que o chamara, então? Os olhos tristes. Os olhos mergulhados numa sombra. A cara estava como dividida por uma linha reta horizontal. Na metade de baixo desenhava-se o movimento da satisfação, com os cantos dos lábios ascendendo. A metade de cima descaía com um inesperado abatimento.
(...)
Pegou no saco dos presentes, pô-lo ao ombro e alguma coisa lhe doeu. (...)

 
Hélia Correia, JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias



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