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21 de julho de 2013

Entre fotografia e poema


Ilustração de Sonia Maria Luce Possentini


Neste esboço há aquele segmento
do teu rosto, quase a preto e branco, que sai da sombra
do táxi; mas faltam as mãos (e sem elas o retrato
não fica completo). Na realidade, o corpo
parece fragmentado quando o capturamos
de surpresa, sem saber o que irá
surgir depois do flash. E poderia
desenhar-se um cenário puramente abstracto,
com um fundo de azulejo a dar um tom
clássico à imagem, ou apenas o branco da parede,
e neste caso haveria uma contraluz que só deixaria
à vista o teu perfil. Porém, quando olho
o teu retrato, vejo nele
uma presença que posso sentir, e me fala
como se estivesses comigo, fazendo-me
ouvir a cor da tua voz. E é como se saísses de dentro
desta imagem que é pura forma, instante
que a palavra reduz à sua duração, gesto
imóvel num desvio do olhar
para o poema.

                                     Nuno Júdice, in Fórmulas de uma luz inexplicável, D. Quixote, 2012, 2ª ed., p. 43