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16 de junho de 2013

A botoeira do casaco novo

Há certas noites que os casarões de Montebotolino voam e parecem manchas cor-de-rosa por cima de um pano transparente. De inverno, se chove, ficam com os pés dentro das poças e a água desliza por eles como se fossem rochas.


O confessionário na igreja é uma barraquinha de abeto pintada de cor-de-rosa, com os carunchos a roerem até os pregos. Eu sentei-me lá dentro para ver se o padre ficava cómodo. Foi uma tarde de domingo e uma aranha baloiçava na ponta do fio que descia de um funil de seda. E adormeci.


Ilustração de Domenico Gnoli

Depois deu-me vontade de conhecer o padre, que por ser velho se tinha reformado de todas as funções e habitava no campo junto do pinhal de Ravenna. Queria que ele me dissesse qual tinha sido a sua última confissão em Montebotolino. Tinha oitenta anos e as mãos trémulas eram borboletas a levantar voo.


Ilustração de Séverine Duchesne
Sem nomear ninguém, disse que uma manhã às cinco, com os pés molhados porque tinha passado por cima da erva branca da geada, uma velha se ajoelhara logo ao confessionário.

Com a voz comovida contou-lhe que na noite da véspera de um feriado cosera a botoeira do casaco novo do marido para que ele não metesse lá uma flor para se armar em gabarola diante das outras mulheres. E agora estava arrependida.

Tonino Guerra, in O Livro das igrejas abandonadas