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20 de fevereiro de 2013

As pessoas sensíveis

Ilustração de Ira Tsantekidou






As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo    
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão." 
Ó vendilhões do templo 
Ó construtores 
De grandes estátuas balofas e pesadas 
Ó cheios de devoção e de proveito 

Perdoai-lhes Senhor 
Porque eles sabem o que fazem 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Livro Sexto

Praia

Ilustração de Adrienne Trafford
Na luz oscilam os múltiplos navios
Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços

A praia é longa e lisa sob o vento
Saturada de espaços e maresia

E para trás fica o murmúrio
Das ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in No Tempo Dividido (1954)

Praia



Ilustração de Anton Gorcevich
Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.

Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.

Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.

As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.

E uma antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.


Dormem na praia os barcos pescadores
Imóveis mas abrindo
Os seus olhos de estátua

E a curva do seu bico
Rói a solidão.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Coral (1950)