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30 de setembro de 2012

Uma abelha na chuva

 Em Uma abelha na chuva, de Carlos de Oliveira, Clara, grávida do cocheiro, põe termo à existência ao saber que Jacinto foi assassinado.

A vida deu-lhe "vergastadas", enredou-a "nos fios do aguaceiro", feriu-lhe o voo, o sonho de casar e ser feliz junto do homem que ama. Clara é, pois, apanhada pelas circunstâncias, tal como uma abelha colhida pela chuva - elemento aquoso que perpassa o romance neorrelista. 
 
Ilustração de Esao Andrews
 Eis o parágrafo final, que funciona como chave de interpretação do título da obra:

Por hábito, lançou os olhos às colmeias, que lhe ficavam mesmo em frente, dez ou doze metros, se tanto, e viu uma abelha voar da Cidade Verde. Baptizava as colmeias conforme a cor de que as pintara, Cidade Verde, Cidade Azul, Cidade Roxa. A abelha foi apanhada pela chuva: vergastadas, impulsos, fios do aguaceiro a enredá-la, golpes de vento a ferirem-lhe o voo. Deu com as asas em terra e uma bátega mais forte espezinhou-a. Arrastou-se no saibro, debateu-se ainda, mas a voragem acabou por levá-la com as folhas mortas.


Domingo, missa e cabelo à tigela

Ilustração de Zoe Chernakova

Domingo, dia de missa, consultório e chinquilho nas tascas, dia de levar a garotada à malga do barbeiro: enfia-se a malga pela cabeça dos rapazes e o Albano faz a tosquia circular ao longo do rebordo; vem depois o disfarce, operação de pente e tesourada larga, que só não acaba de tornar o cachopo num verdadeiro urso, porque a cabeça dos ursos não é às escadinhas, como dizia depreciativamente o Rocha, que trazia um filho, em Corgos, a aprender o ofício na Barbearia Perfeição.



Carlos Oliveira, in Uma abelha na chuva