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23 de agosto de 2012

Sobre a mudança

Ilustração de Limeunhee
Talvez se tivesse dito, ao vê-la, que nada
poderia destruir a sua beleza. Nem vénus a perdeu, quando
lhe partiram os braços, ou de quantas outras estátuas
não restaram senão fragmentos, e ainda é possível
sonhar o todo a partir da parte. Mas pouco importa o que
se diz: a beleza, apesar daquilo que o tempo fez
ao corpo, pertence-lhe, e basta um breve olhar,
o gesto que repete o movimento de outrora,
a suave inflexão de uma frase, para trazer de volta
tudo o que parecia desaparecido. Por isso,
quando me cruzo com as mulheres que parecem
perdidas, num cruzamento, à espera de poderem
passar para o outro lado, ou quando as vejo
numa indecisão de pedir alguma coisa ao empregado
que se aproxima, com a carteira ao colo,
apago as sombras que as rodeiam, e devolvo-lhes
a luz de uma longínqua adolescência, o brilho
de rostos em que o amor ainda vivia, e um sorriso
a nascer no canto dos lábios, dissipando
a amargura do presente.

Nuno Júdice, in Fórmulas de uma luz inexplicável