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13 de junho de 2012

A mãe e a irmã


Ilustração de Margarita Sikorskaia

A mãe não trouxe a irmã pela mão

viajou toda a noite sobre os seus próprios passos

toda a noite, esta noite, muitas noites

A mãe vinha sozinha sem o cesto e o peixe fumado

a garrafa de óleo de palma e o vinho fresco das espigas vermelhas

A mãe viajou toda a noite esta noite muitas noites todas as noites

com os seus pés nus subiu a montanha pelo leste

e só trazia a lua em fase pequena por companhia

e as vozes altas dos mabecos.

A mãe viajou sem as pulseiras e os óleos de proteção

no pano mal amarrado

nas mãos abertas de dor

estava escrito:

meu filho, meu filho único

não toma banho no rio

meu filho único foi sem bois

para as pastagens do céu

que são vastas

mas onde não cresce o capim.

A mãe sentou-se

fez um fogo novo com os paus antigos

preparou uma nova boneca de casamento.


Nem era trabalho dela

mas a mãe não descurou o fogo

enrolou também um fumo comprido para o cachimbo.

As tias do lado do leão choraram duas vezes

e os homens do lado do boi

afiaram as lanças.


Ilustração de Graham Franciose
A mãe preparou as palavras devagarinho

mas o que saiu da sua boca

não tinha sentido.

A mãe olhou as entranhas com tristeza                   

espremeu os seios murchos

ficou calada

no meio do dia.


Ana Paula Tavares, in Dizes-me coisas amargas como os frutos