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8 de abril de 2012

Tudo é canto!

Ilustração de Laimonas Smergelis


A palavra nasceu:
nos lábios cintila.

Carícia ou aroma,
mal poisa nos dedos.

De ramo em ramo voa,
na luz se derrama.

A morte não existe:
tudo é canto e chama.

Eugénio de Andrade, "Metamorfoses da palavra"

Parafuso no vento

Primeiro o menino viu uma estrela
pousada nas pétalas da noite
E foi contar para a turma.
A turma falou que o menino zoroava.

Logo o menino contou que viu o dia
parado em cima de uma lata
Igual que um pássaro pousado sobre uma pedra.
Ele disse: Dava a impressão que a lata amparava o dia.
A turma caçoou.
Mas o menino começou a apertar parafuso no vento.

A turma falou: Mas como você pode apertar
parafuso no vento
Se o vento nem tem organismo.
Mas o menino afirmou que o vento tinha organismo
E continuou a apertar parafuso no vento.

                                                                          
Manoel de Barros, "O vidente" (poeta brasileiro)


Ilustrações de Laimonas Smergelis
Por vezes não entendemos as metáforas.

É preciso  olhos novos, novos sons, para descobrir como a esperança mora por detrás de um gesto: o de um menino que continua a acreditar que é possível “apertar parafuso no vento”. Com persistência. Com esperança. Com gesto renovado. Eis a Páscoa.

A noite anuncia o dia

Ilustração de Laimonas Smergelis
De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta o êxtase do dia.


Eugénio de Andrade