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22 de agosto de 2012

Manual do viajante


Ilustração de Catherine Samuel
Deixe que o conduzam pela berma do passeio, sem
tirar os pés dessa faixa mais larga entre a calçada e o alcatrão.
Faça com que os carros se desviem, à sua passagem, e
não tire os olhos do chão, como se andasse à procura
de moedas. Sim, à direita fica o muro do jardim, a igreja
lá para trás, talvez seja uma catedral, com os seus vitrais.
Mais à frente pode estar um museu, mas não se
preocupe e ande sempre em frente, seguindo essa linha de
separação entre o passeio e a estrada. Por vezes, sentirá a sombra
de uma árvore rara, cujas folhas são únicas no país.
Talvez sinta o seu perfume que, dizem os botânicos, enfurece
as fêmeas e desperta os machos. Mas nem isso o deverá
desviar. À esquerda, uma bela paisagem: o rio a transformar-se
em mar. Que importa se o chão continua ao longo da estrada,
e já tem carros a apitar para que se desvie, agora que vai
sair da cidade. Mas o seu destino ainda está longe, e
quando a tarde começa a cair não sabe se o irá alcançar.
Se houvesse um banco, poderia sentar-se; e ali está um,
ao lado do caminho, mas passou por ele e nem o viu. É
possível, diria o vagabundo que o viu passar, que fosse
esse o seu destino. Sentar-se-ia ao seu lado, pedir-lhe-ia
lume para o cigarro, sem se lembrar que há muito deixou
de fumar, e falar-lhe-ia na sua língua, que ele não
percebe, revelando o que há muito procura, enquanto a noite
cai e o caminho de volta se fecha.   

Nuno Júdice, in Fórmulas de uma luz inexplicável



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