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20 de julho de 2012

O interior da normalidade


Incapazes de outra coisa, ficámos a olhar por instantes um para o outro, até que Laura, por fim, se levantou, veio ao meu encontro e começámos a andar sem jeito rua abaixo. 
 
 
Tive a impressão de que qualquer coisa de anormal estava a acontecer no interior da normalidade, como quando nos encontramos num quarto com as luzes deslocadas dos lugares habituais, ou sentimos algo estranho no outro sem sermos capazes de reparar que leva o casaco de malha do avesso. Eu estava instalado no avesso da realidade e, por isso, percebia as suas costuras e conhecia os mecanismos através dos quais umas peças estavam cosidas às outras. Portanto soube logo que iria beijar Laura, o que, no outro lado do casaco, não teria sido capaz de fazer nem em mil anos de existência.

Ilustrações de Danguole Jokubaitiene

Sabia, além disso, que ela estava à espera, o que não impediu que os joelhos me fraquejassem, que me engasgasse ao tentar falar ou que as mãos me começassem a transpirar precisamente no momento em que decidi pegar numa das suas, que também estava molhada de suor.
Juan José Millás, in A Ordem Alfabética

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