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4 de março de 2012

A crise e a queda segundo Gonçalo M. Tavares


Ilustração de Carlos Aponte
A crise remete-nos para a figura da queda, ilustrada neste texto de Gonçalo M. Tavares: 

Do alto de mais de trinta andares, alguém atira da janela abaixo os sapatos de Calvino e a sua gravata. Calvino não tem tempo para pensar, está atrasado, atira-se também da janela, como que em perseguição. Ainda no ar alcança os sapatos. Primeiro, o direito: calça-o; depois, o esquerdo. No ar, enquanto cai, tenta encontrar a melhor posição para apertar os atacadores. Com o sapato esquerdo falha uma vez, mas volta a repetir, e consegue. Olha para baixo, já se vê o chão. Antes, porém, a gravata; Calvino está de cabeça para baixo e com um puxão brusco a sua mão direita apanha-a no ar e, depois, com os seus dedos apressados, mas certeiros, dá as voltas necessários para o nó: a gravata está posta. Os sapatos, olha de novo para eles: os atacadores bem apertados; dá o último jeito no nó da gravata, bem a tempo, é o momento: chega ao chão, impecável.

Gonçalo M. Tavares, 1º sonho de Calvino in O Senhor Calvino

Ilustração invertida
Aparentemente, esta personagem só se preocupa com a sua aparência física. É uma primeira leitura. Outra interpretação possível é a de que mantém a calma e o equilíbrio quando está a cair.

O que fazemos quando caímos e o que é importante nesses momentos? De que serve ser inteligente quando se cai? Ou ser muito belo? Ou muito poderoso? - interrogações lançadas por Gonçalo M. Tavares na Sessão de Estudos "O mal e a alegria em tempos sombrios" (Metanoia).
 

2 comentários:

  1. Este texto recorda-me uma história contada pelo Julio Martin há uns anos:
    Um homem é perseguido por um tigre. Foge, mas o tigre estå cada vez mais próximo. De súbito, surge na sua frente uma ravina. Hesita entre lançar- se no precipício ou ser comido pelo tigre. Lança-se, mas logo abaixo há um arbusto a que se consegue agarrar. Olha para cima e vê a boca do tigre. Olha para baixo de novo, e vê à sua frente uma planta com um morango vermelho. Colhe o morango com os dentes e saboreia-o demoradamente.

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    1. E este texto faz-me lembrar outro, de teor anedótico:

      Um sapo colocou-se à beira de um lago, com medo de atravessar para o outro lado. Tinha medo de cair estatelado na água. Então, refletia: "Salto, não salto, salto, não salto, salto..."
      No dia seguinte, o sapo continuava na mesma margem, com o seu dilema:"Salto, não salto, Salto, não salto, salto, não salto..."
      Ao terceiro dia, saltou... e caiu mesmo no meio do lago. Então virou-se para os que o viam e exclamou: "Por que é que eu fui tão precipitado?"

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