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18 de novembro de 2011

Com um lápis na mão

Foi com um lápis na mão que li recentemente As Pequenas Memórias, de José Saramago. Esse pequeno hábito permitiu-me registar o prazer da leitura, que o mesmo é dizer o prazer do encontro com a escrita apurada, com o detalhe, com a análise intuitiva e instintiva que me habituei a fazer. Também as anotações de caráter pessoal têm o seu lugar a lápis, nas margens do livro. 

Écriture, de Cécile Bercé Busson

Aqui fica o registo de um desses momentos, neste caso  de identificação com o narrador autodiegético (protagonista da ação) na sua aversão à raça canina.

A diferença está em eu não identificar a causa com nenhum destrato do animal nem nunca ter tido a experiência (oxalá sempre seja poupada a tal) de saber que algum cão se lembrará de me “saltar ao gasnete”.

O que, sim, acontece é a minha adrenalina, na presença ou na mera proximidade de tal ser da natureza, ser apercebida pelo suposto atacante, que deve ficar com medo de que eu o morda e normalmente se afasta…Nesse caso, o cão deve supor, como o narrador, que eu seria capaz de tal e, cruzando-se com os demais da raça, deve ripostar a sua contenção dizendo-lhes: “Sabia, não me perguntem como, mas sabia” (p. 25) que ela me iria atacar…
Ilustração de Agnès Boulloche

Reflexões literárias

Quando leio, dificilmente me descolo de um olhar técnico, crítico, analítico.

Posso fazer humor com o que leio, divertir-me, saborear a estética, identificar-me com o conteúdo (narrativo, biográfico, poético...). O que não consigo é desprender-me da estética literária. Um texto mauzinho, sofrível, com desatenções por parte do sujeito de enunciação faz-me bocejar, desinvestir, abandoná-lo, mesmo que o tema possa requerer a maior das complacências por parte de quem o produziu ou de alguns leitores menos exigentes.  Um texto com ingredientes literários, pelo contrário, suga-me, prende-me, dá-me vontade de o ler, comentar, analisar detalhadamente. Talvez por isso, leio sempre com um lápis na mão...

Maria Carla Crespo

17 de novembro de 2011

A fome de Firmin

Feio, esquálido, subnutrido, vi a luz do dia, ou melhor, da noite, numa biblioteca. Como a minha mãe estava cansada de um parto doloroso entre os links da blogosfera (fatigante tarefa!), soergui a cabeça e logo comecei a vasculhar com que me alimentar, com que nutrir o meu corpo de recém-nascido e a minha alma sedenta de vida, de ficção, de conhecimento e aventura. E foi assim que publiquei algumas saídas para verdadeiro deleite da mente e do espírito, daqueles que nos fazem perder o apetite ou esquecer e adiar uma fome voraz. A minha fome passou a ser outra: a fome de livros.
A minha fome - e desculpem um olhar tão especificamente egocêntrico, fazendo girar o olhar de todos sobre a minha natureza- é uma fome de livros, disse-o já. Livros digitais, mas também livros com cores e sabores, com texturas variadas. Livros eruditos e sábios, que só os mais argutos e experientes ousarão folhear, mas também livros acessíveis a todas as idades e personalidades. Livros recentes e livros que fizeram história e construíram muitas estórias no universo de milhares de cidadãos...

 Livros com tacto, cheiro, prazer. Livros com suor e trabalho. Livros com resistência, que depois se tornam suporte inelutável de vida, de saberes e da construção do ser.

 A minha fome é voraz e preciso de outros leitores para partilharem as suas leituras, os seus autores, as suas bibliotecas preferidas...Aqui fica o desafio. Agora vou-me deitar. Tenho um livro à minha espera.

PS: Esta poderia ser a apresentação do rato Firmin, protagonista da obra homónima de Sam Savage.


Devoradores de livros

 



Há pessoas que se comportam nas bibliotecas como se fossem o monstro das bolachas e comem às escondidas. Eu prefiro os devoradores de livros. Aqui fica um, muito simpático: Firmin, de Sam Savage.



Nem só de livros vive uma BE, mas não há bolachinhas...

13 de novembro de 2011

Uma cereja traz outra cereja

"Uma cereja traz outra cereja, um cavalo trouxe um tio, um tio irá trazer….” (p.28).

As conversas são como cerejas é o adágio que subjaz a esta afirmação do narrador, em tom coloquial com o leitor, tom que percorre As Pequenas Memórias, como quem conta histórias vividas ou recordadas (“…às vezes pergunto-me se certas recordações são realmente minhas, se não serão mais do que lembranças alheias de episódios de que eu tivesse sido actor inconsciente…” pp. 63-64). E assim o leitor é conduzido à pobreza extrema do narrador, que dormia no chão, na companhia de baratas e partilhava um prato de sopa com a mãe, que por sua vez penhorava os cobertores no verão e os levantava quando o frio apertava; às proezas das suas venturas e desventuras amorosas e das amizades e crueldade de colegas de escola; à infância sofrida pela doença e morte do irmão Francisco; à precocidade na leitura e ao seu fascínio pela escrita quando os seus “dedos puderam, finalmente, tocar essa pequena maravilha das técnicas de escrita mais actualizadas” (p.64), numa ardósia.

 Autodisciplinando-se por vezes: “Voltemos ao fio do relato” (p. 102), o narrador conduz-nos por lugares e condições menos visitados pelos leitores de Saramago. Num estilo que o distancia da densidade psicológica das personagens de Memorial do Convento, não lhe falta contudo uma pitada de ironia, como quando relata que em casa dos vizinhos Barata “não havia livros, um só havia” de cujas histórias não acreditava fazerem “grande caso, se é que algum fizeram” e que a vizinha Conceição, “…dona desta jóia literária absoluta…” guardava A Toutinegra do Moinho “…como um tesouro numa gaveta da cómoda, embrulhado em papel de seda, com cheiro a naftalina” (p.99).

Talvez menos frequente hoje este cenário, quem dera que esta crítica social se já não aplicasse atualmente…

Mª Carla Crespo

10 de novembro de 2011

Horizonte de possibilidades


A leitura é um horizonte de possibilidades...

Quem lê acede a uma janela que se abre, para espreitar o mundo que o rodeia...

10 de novembro de 2011

Partilhar leituras

Depois do prazer de possuir livros, não há outro que seja mais doce do que falar sobre eles.

                                          Charles Nodier, apud Jacques Bonnet, Bibliotecas cheias de fantasmas, Quetzal